21 novembro 2014

Fernando 2 - R. Kelly "I Believe I Can Fly"

E outro texto do Fernando

"Um excerto da Sociedade

Encostei-me à parede e pus-me a pasmar o mundo à minha volta. Através da força consegue-se dominar, um leão é mais forte que uma zebra e domina-a. Um sapo é mais fraco que uma avestruz e poderá ser dominado por esta. Ora mas existem determinadas artimanhas, umas forças que são aldrabices, que podem combater ao lado da verdadeira força: o veneno, constituições particulares de determinadas partes do corpo, e no caso do homem a inteligência. Ora para eu ter nomeado a força física como verdadeira, não fui eu que a denota assim, é a própria sociedade que a vê como tal, é a sua sensibilidade ingénua que a sente assim. E tem razão. A força física é o motor para uma verdadeira força psicológica, é a força da vida que se safa e é ela que pode com um pouco de intuição ultrapassar o veneno dum sapo e quando ultrapassado o sapo por ser fraco jamais conseguirá se defender. Não vou perder tempo com questões que não conseguem abstrair-se das suas formas de ver, a força é algo que se vê realmente.

E nesta parede escolar vejo uma hierarquia interessante: os desportistas são os mais fortes, daí poderem foder que é o desejo de qualquer Homem. Eles muitas vezes pecam ao não perceber a maior artimanha de todas, a inteligência. Será esta uma exceção das artimanhas, a única que poderá superar todo o tipo de força? Talvez mas para verem como a força ainda é de tal maneira respeitada é ela ainda utilizada, pelo menos numa forma básica, para superar qualquer obstáculo na visão de cada Homem. Se eu vos falar em polícias e militares, já vos diz alguma coisa? Os restantes da hierarquia são todos variações de diferentes personalidades humanas, uns mais particulares que outros, todos fracos mas conseguem alguma ataraxia devido à tal inteligência que liga o bem-estar a ela mesmo.

Cena 1

Sempre andei com o ar de um vagabundo noctívago e sempre tive um porte forte como aquelas pessoas que passam o dia a esbanjar-se nas melhores carnes para consumirem. Sempre fui calmo e solitário, não me apetecia falar e quando o fazia mostrava uma cara de frete com algum desdenho. Devido à minha presença intimidante ninguém encorajava-se a conversar comigo mas claramente que fui tema muito curioso dos meus colegas que me observavam atentos com olhares avariados já que o seus instintos não sabiam onde me colocar.

Certa vez decidiram meter-se comigo. O mais desejado e venerado pela putaria toda fez-se de forte:

-Então, amigo, como vai isso?

-Como vai o quê?

-He he he, no fundo também és um cromo! - e todos forçaram um riso atrasadinho. Eu virei-me para ele e com toda a violência esmurrei a parede ao meu lado provocando quase uma nova divisão à escola! Enfim estou a exagerar mas virei-me para ele questionando-lhe o que eu era e ele afastou-se instintivamente transbordando de medo.

Se antes daquele momento eu já era respeitado, a partir daí comecei a ser altamente temido provocando o pânico a quem soubesse que lhe estava a fazer um

simples olhar.

Cena 2

Existe um rapaz da minha turma que é violinista e só pensa no instrumento, ou melhor é obrigado a pensar só nele. Tem aquela passividade emocional, aquela fraqueza tão óbvia, que todos os músicos eruditos têm. Naturalmente ele era posto de parte pelos desportistas, pela raparigas que se faziam a estes, e até por outros que não pertenciam ao topo. Neste grupo fazia parte todo o tipo de pessoas que não se destacavam desportivamente, uns, mais fracos, poderiam ter várias taras, não pelo violino mas por outras coisas, alguns tentavam uma via alternativa em relação aos desportistas não caindo na pura da fraqueza dos mais cromos. Existem algumas variedades nestas alternâncias e deve-se admitir que um ou outro até poderá ser forte assim como há fracos infiltrados nos fortes, a maioria ainda se esforça por praticar desporto e a infiltração reconhecida e aceite por vezes existe, chama-se a isto compaixão, este sentimento que no fundo é o amor e qualquer Homem o tem. Mas por mais que escondem o que são nota-se logo pelo simples olhar ao que verdadeiramente pertencem.

Ainda a falar acerca do violinista, certo dia estava a ser fortemente posto em causa nos balneários devido à sua vida sexual. Ora eu com uma simples boca calei aquela gente toda e pisquei um olho ao menino como quem lhe diz: a ti salvar-te-ei.

Cena 3

Um alternativo daqueles que gosta do campo estava imensamente interessado em mim, olhava-me pedindo-me que lhe falasse, que lhe garantisse que nada de mal lhe iria fazer. E falei-lhe, com ele e com mais duas raparigas. Nem sei porque hei de falar mas acabei por falar com todos os «médios», hehe se é assim que lhes posso nomear, para avisar-lhes. E curioso que eles todos acabaram por cumprir aquilo que eu lhes tinha dito: ausentem-se amanhã.

Antes de vos finalizar com o que vem amanhã queria-vos apenas passear um pouco: ando neste edifício com ar de prisão, vejo rebanhos com pompa, passo por eles ignorando-os mas é curioso que se os tivesse completamente ignorado não estaria a relembrá-los. Entro em salas de pânico pseudo-dirigidas (!) por estupores. Perda de tempo imenso, que vou eu fazer? Fui escolhido para mudar não fui? E farei isso!

Final

A Natureza é uma merda, convencem-se disso. Forte, fraco, o caralho! A inteligência ao lado da força não inteligente (relembro-vos polícias e militares) vai dar lugar à falsa força. A inteligência vai dominar o mundo por completo. Ora dado que esta é um mundo complexo, apenas uma perspetiva dela é a que pode realizar o sonho do domínio, até pode ser mais ignóbil que outras perspetivas mas ignoremos o facto. E sendo assim, com educações e tudo o que o devir provoca na evolução humana, a sociedade quer ser inteligente. Há sempre aqueles falhados, existem uns que não

conseguem, e depois há a maioria inteligente. E ainda há muita liberdade no início do Homem na sua juventude, ou seja ainda há espaço para a verdadeira força, impedindo a utilização da inteligência evoluída, e sendo assim é ela a dominante na juventude. Não só por esta razão que ainda facilmente se desenvolve o verdadeiro, portanto correto, instinto da força (vejam os desportistas) e notar-se-á no futuro dos jovens. Daí não se admirem com a grande percentagem de força aliada à inteligência num só homem devido precisamente à ainda valorização da tal força por diversos motivos de funcionamento e ordem social sendo que ela exerce um nível de atração que justifica esta dualidade.

É este o mundo e estou farto dele, desta hierarquia natural e artificial.

Decidi entrar na sala fechando a porta com mais de metade da turma lá dentro e não permiti que o professor entrasse. Comecei a pegar um em cada um e torturei-os, estrangulei-os, e deitei-os todos uns em cima dos outros à frente do quadro. Poupei os fracos mas não aqueles que se fazem sempre aos fortes. Estavam os fortes todos mortos à frente do quadro! Alegria! Que risos infantis! Os outros olhavam mais que apavorados, aquilo tudo já não lhes pertencia aos seus instintos à muitas décadas. Mas uma rapariga que era péssima aluna e era posta em cause devido ao facto de ter mais peso que os outros sorria completamente assustada do sonho dela ter-se realizado. Levei-a para cima dos cadáveres apoiando a minha mão na dela como se fosse casar e estando ela lá em cima com punho levantado vitorioso pensei exclamando:

-Eis a minha hierarquia!"

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